Diante do avanço da pandemia de covid-19, alguns estados e municípios, como Belo Horizonte, Florianópolis, São Paulo, Salvador, Recife e Rio de Janeiro, onde acontecem as principais atrações da festa preferida dos brasileiros, cancelaram ou suspenderam os eventos de Carnaval para não causar aglomeração e evitar a proliferação do novo coronavírus. E, isso, tem gerado inúmeras dúvidas nas empresas e nos colaboradores sobre o Carnaval, que de acordo com o calendário religioso, este ano acontece entre 13 e 16 de fevereiro. Nesse contexto, Cesar Pasold Júnior, Coordenador Nacional da área trabalhista do escritório Marcelo Tostes Advogados, listou alguns aspectos importantes para auxiliar as empresas sobre como tratar tal impasse:

Carnaval é feriado nacional?
Não. O Carnaval é, geralmente, tão somente um “ponto facultativo” nas esferas da Administração Pública, não interferindo legalmente nas atividades da iniciativa privada, o que causa muito espanto em muitos. Apenas o estado do Rio de Janeiro oficializou a data como feriado. O calendário nacional de feriados é estabelecido essencialmente em duas Leis Federais: Lei 662/49, Lei 9.093/95 e Lei 2.166/50 (que estabelece o feriado de Tiradentes). O Carnaval não está listado como feriado nacional em Lei Federal, embora a Lei 9.093/95 permita aos municípios estabelecerem a data como feriado religioso. É muito importante lembrar: quando o poder público (executivo ou judiciário) estabelece determinada data como “ponto facultativo”, isso implica dizer que para o serviço público – somente – a ele vinculado, aquele dia é de trabalho facultativo, o que na prática vira ausência de serviço, expediente etc., mas não impacta nas relações privadas. O fato de um município decretar ponto facultativo não autoriza os empregados de determinada empresa gozarem do dia como se feriado fosse. Uma vez inexistente Lei Federal que estabeleça o Carnaval como feriado, vale o que cada município estabelece (ou não) para a data, bem como o que as negociações coletivas (acordos ou convenções coletivas de trabalho, envolvendo os sindicatos de empregados e empresas ou sindicatos de empresas) estabelecem para a data.

E como saber o que o município estabelece?
Cada município define seu calendário de feriados da cidade. E não há uma regra para isso. Algumas cidades, onde o Carnaval é mais tradicional, optam por decretar feriado em uma Lei Municipal, como é o caso de Balneário Camboriú/SC, Lins/SP e Araxá/MG, por exemplo. Também existem casos em que o Carnaval não está em nenhuma lei municipal, mas existe uma forte tradição popular e as empresas acabam tratando a data  como feriado para preservar o costume. O melhor exemplo é Salvador. Embora o município declare feriado o dia de São João (Lei Municipal 1.997/67), não declara o Carnaval feriado, mas, na prática, as empresas tratam o dia como feriado, buscando ou uma compensação posterior, ou
tratando como folga remunerada mesmo, muitas vezes previsto em negociação coletiva.

E os estados? E as negociações sindicais?
A Lei 9.093/95 não permite aos Estados declarar feriado além da sua data magna, então os estados, a princípio, não poderiam declarar o Carnaval feriado em lei. O Estado do Rio de Janeiro ignorou essa restrição e declarou, mediante a Lei Estadual 5243/2008, o Carnaval como Feriado. Há uma ação direta de inconstitucionalidade em trâmite no Supremo Tribunal Federal para revogar essa lei, sem parecer ou liminar até o momento – até que isso ocorra, é recomendável entender o feriado como válido. Além disso, inúmeros sindicatos de trabalhadores possuem negociado com empresas ou sindicatos de empresas o carnaval como feriado, ou pré-estabelecem uma compensação, como a Convenção Coletiva de Trabalho da Construção Civil do Distrito Federal, que estabelece a folga na terça-feira de carnaval a ser compensada antes ou depois do mesmo.

Qual o impacto na relação empresa-empregado com a suspensão ou revogação do ponto facultativo por Estados e Municípios do Carnaval?
Alguns estados e municípios suspenderam ou revogaram o ponto facultativo da terça-feira de carnaval. Isso implica em dizer que os órgãos e repartições públicas vinculadas ao Poder Executivo do Estado ou Município funcionarão normalmente, mas não afetam a relação empresa-empregado na iniciativa privada. Por exemplo, se uma negociação coletiva prevê que o Carnaval é feriado, a suspensão do ponto facultativo do poder executivo municipal em nada afeta. E convém lembrar que os poderes são autônomos: o executivo estadual pode suspender o ponto facultativo, enquanto o poder judiciário estadual pode manter, para seus servidores, o ponto facultativo.

O que é recomendado que as empresas façam diante de tais impasses?
Inicialmente, cada empresa deve verificar o que regulamenta a legislação local e o que prevê as negociações coletivas vigentes. Vale considerar, ainda, a política de trabalho e a relação que cada empresa possui com seus funcionários, preservando a (relevante) boa relação empresa-funcionário em conjunto com a necessidade de produção e demanda, principalmente considerando o cenário econômico e produtivo agravado nos últimos 12 meses. Se todos os anos costuma considerar feriado, não há um motivo para fazer diferente e isso pode gerar insatisfação, além de risco jurídico considerável, face às interpretações diversas que a jurisprudência possui para esse tipo de hábito. Vale conversar com o time e ouvir a opinião deles sobre o assunto, em uma busca de equilíbrio entre satisfação pessoal e necessidade produtiva.
Caso a maioria opte pelo feriado e a produção possua flexibilidade, é possível combinar que esses dias sejam descontados de bancos de horas ou compensados, caso instituída a possibilidade de compensação por negociação coletiva ou acordo individual – nesse caso, nos moldes do artigo 59, parágrafos 5º e 6º da CLT, em sua atual redação. Nesse cenário de acordos individuais, as horas de trabalho podem ser compensadas no mesmo mês ou em até seis meses nos moldes da Lei – que é algo que a reforma trabalhista abriu como possibilidade legal.
No caso de seguir a opção de fazer um acordo coletivo com o Sindicato laboral, o acordo estabelecerá objetivamente como tratará a data e a compensação. Caso haja uma negociação coletiva entre empresa com sindicado, ou entre sindicato patronal e sindicato laboral, os dias e horas podem ser compensadas dentro de um ano, podendo ainda haver o tratamento específico de dias de trocas. Convém destacar que as leis municipais e as negociações coletivas, embora pareçam por vezes óbvias, estão sempre sujeitas à interpretação e uma análise estrita acerca de sua legalidade e status. A melhor solução é sempre ter um suporte jurídico para tais definições.

ANTONIO SERRANO – ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO